Tanto mar entre nós... | Doabre
DOABRE (*)
O rio de João Cabral é um corpo mutilado,
discurso de canal engordado sob gondola;
cabeça-nascentes do pensamento truncado,
é mão amputada dos dedos longos distante.
Salta em caldo engorda corpo represado.
Ou emagrece, se afina no curso seu tom;
uma silhueta na passarela disforme torta
consumida na pena serelepe dos homens.
Mas o mesmo rio grita sua fome de mello
de anas, de roseanas, de helenas e barones
de tantos outros que se encontram no rio
em meio curso do fio discurso e potável.
Na corredeira alarga as margens verdes
poesia ripária ou ripícola de mata ciliar
quando rompe os diques da leitura fácil
se abre caminho fluência do estagnado.
Oxumaré desfaz-se arco-íris na chuva
pra Logunedé pescar palavra e homens.
João Cabral, Exu de faca e pedra lâmina
de canavial, no estio abriu o rio pro mar.
Ora vejam no desenho da arquitetura,
ouçam no batuque dessa franca língua
árida: Oxum se ri de ser musa do amor
doura ser da riqueza prima meia-irmã.
Volta o rio à nascente auto falante,
Iemanjá limpa o mar, a foz fertiliza.
A mãe de muitos orixás é lugar de fala,
e dona da fertilidade 'doabre' caminhos.
(*) ou batuque inominável de franca língua árida
um diálogo com o poema " Rios sem discurso " do poeta João Cabral de Melo Neto
e uma homenagens aos orixás da mitologia iorubá.
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Publicado em Inominável nº 15
por Baltazar autor do blog Depois eu conta | BRASIL