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Revista Inominável

A revista para lá da blogosfera!

Sex | 23.10.15

O Mendigo de Odivelas

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Quem vai frequentemente da IC 17 para a IC 22 sabe quem é. Está sempre por ali, mais para cima ou mais para baixo mas sempre perto daquela ponte. Dizem as pessoas que mora debaixo dela.

Lembro-me de o ver por ali já quando era pequena, sempre com o mesmo aspeto, sempre com as mesmas vestes – ou, pelo menos, sempre com aquele casaco grosso castanho-claro, que é a única peça de roupa que chama mais a atenção – faça chuva ou faça sol.

Quando comecei a perceber o que era aquele senhor e o porquê de estar sempre ali, estranhei. Não percebia que por vezes são as pessoas que são demasiado orgulhosas para deixarem que outras as ajudem, não percebia que aquilo para ele já era normal e era a sua casa, por muito que ele não gostasse.

Como diz o ditado popular, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Tornou-se hábito vê-lo por ali, agora se passa muito tempo sem o ver isso sim é que é estranho.

Nunca falei com ele, conheço-o apenas de vista e ele nem faz ideia de quem eu sou, mas ele é como se fosse um vizinho. Daqueles que vemos quase diariamente mas só ao longe, mora mesmo ali ao nosso lado mas nunca falamos. A diferença é que enquanto para ele aquele local é uma casa, para mim é apenas um local de passagem. E para sermos considerados vizinhos teríamos ambos de morar numa casa, numa casa a sério com parede e teto, que abrigasse do frio e da chuva.

Quem era este senhor antes disto? O que fazia e o que aconteceu para ter ficado assim, neste estado? São perguntas às quais não consigo responder mas que me deixam a pensar… Seria rico e ficou na miséria devido a negócios que deram para o torto? Ter-se-á envolvido no mundo das drogas que o deixou sem nada, tal era o vício? Terá sido, em tempos, apenas mais uma pessoa deste mundo que sobrevivia com o ordenado mínimo mas que perdeu o emprego e não teve outra solução? Há tantas hipóteses, e todas elas são possíveis.

E mais… Podem acontecer a qualquer um. A vida muda rápido e muitas vezes só damos conta quando já é difícil redimir a situação. Só reparamos quando chegam as cartas com a ameaça de despejo, quando passamos o cartão de crédito e este já não é aceite, quando nos vemos obrigados a ir pedir ajuda a um banco alimentar para termos o que comer. Pode acontecer a qualquer um, não é só a quem tem pouco dinheiro ou a quem está desempregado. Quem tem muito dinheiro nem sonha que isso pode acontecer, acha que os negócios correm sempre bem e se um corre mal, outros dez correm bem. É por esses pensamentos que há muitos ricos que caem todos os dias. Levam cortes, veem os preços a subir e, para começar, são obrigados a tirar os filhos dos colégios. Todos levamos cortes mas, como se diz, “quanto mais alto, maior é a queda”, e neste caso é exatamente a mesma coisa. Enquanto as pessoas que têm pouco dinheiro sabem que o dia de amanhã é incerto e se for preciso cortam em saídas e em férias, os outros, mesmo que cada vez tenham menos, continuam a vida como se os números se mantivessem ou subissem; podem cortar nas saídas em família, mas nas saídas com amigos nem pensar, não querem que os amigos achem que eles estão a ficar pobres, e se um amigo convida para ir a um restaurante onde cada pessoa paga pelo menos 50€, ele sugere um outro onde se paga pelo menos 70€, só mesmo para o amigo não desconfiar de nada e ainda achar que vai bem na vida, mesmo se o que lhe dava jeito era nem sequer ir jantar fora. Pode parecer exagero mas não é, cada vez há mais casos destes e estes são os casos que menos imaginamos a acontecer. Devemos começar a ter atenção, não só com o que se passa connosco mas com quem nos rodeia. Por vezes a outra pessoa pode estar em fase de negação e não querer aceitar que aquilo está mesmo a acontecer com ela e que se calhar precisa de ajuda para reorientar a vida.

As coisas podem sempre inverter-se. Tanto para o bem como para o mal. Pode ser que este senhor que agora é mendigo consiga ajuda por parte de alguma associação e a aceite, mudando assim a sua vida.

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artigo escrito pel'A Miúda, autora do blog A Miuda

(in revista nº 0)

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