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Revista Inominável

A revista para lá da blogosfera!

Seg | 12.11.18

Diversidades | Por terras do Oeste Cisterciense #1

"Desde os períodos nebulosíssimos da Idade da Pedra habitam os homens as terras de Alcobaça"

Manuel Vieira Natividade

Conta-nos a História que muito do trabalho dos nossos antepassados é pedra angular da nossa actual condição. Por vezes, por desconhecimento, desinteresse ou simplesmente porque o passado é “passado” e como tal não determinante para o amanhã, não entendemos o que somos, como somos e porque somos. De outra forma, quiçá mais sublime, quem devia entender a História muitas vezes não tem a chave para a descodificar, e ao olhar apenas se apercebe do material que a compõe, que muitas vezes é apenas pedra amorfa e inerte: os olhos não vêem o que o coração não sente; aquilo de que nos privam pela incompreensão não se alimenta de emoção.

mapa de cister.jpg

Normalmente vivemos sobre um passado que muitas vezes desconhecemos ou ignoramos em parte, mas que será sempre uma herança que nos acompanhará, muitas vezes de forma dissimilada ou invisível. É sobre uma dessas dádivas que vos quero deixar alguns apontamentos, nomeadamente sobre a zona de Alcobaça que, tal como muitas outras localidades, deve o seu topónimo à passagem dos Árabes pela Península Ibérica, que ocorreu no início do século VIII.

Em meados do século XII, D. Afonso Henriques conquista Alcobaça. Se para a conquista e defesa destas terras contou sobretudo com a colaboração das Ordens Religiosas Militares, nomeadamente os Templários, para as povoar e desenvolver economicamente recorreu aos monges beneditinos da Ordem de Cister. Nesse sentido, D. Afonso Henriques fez carta de doação e couto (terreno com gestão própria, imune à administração central) ao abade de Claraval, D. Bernardo, com fins económicos e políticos. Se no primeiro aspecto D. Afonso Henriques pretendia promover o desenvolvimento agrícola da região, aproveitando os vastos conhecimentos e experiência dos monges de Cister nesse campo, no segundo visava o reconhecimento papal do título de rei, que já usava oficialmente. Atendendo ao enorme prestígio que o abade Bernardo de Claraval tinha junto do Papa Eugénio III, de quem era conselheiro, a doação à Ordem de Cister de um território com as dimensões dos Coutos de Alcobaça não deixaria de causar boa imagem ao chefe da Igreja Católica.

Após a chegada dos primeiros monges da Ordem de Cister vindos da abadia de Claraval (França), deu-se início à construção do Mosteiro, que viria a ser o maior e mais belo exemplar da arquitectura religiosa cisterciense medieval em toda a Europa.

Mosteiro alcobaça.JPG

A tarefa empreendida pelos monges de Cister no seu vastíssimo domínio, que abrangia treze vilas e três portos de mar e que, mais tarde, foi conhecido pela designação de Coutos de Alcobaça, realizou-se em várias vertentes, nomeadamente, no chamamento de colonos vindos de fora, na assistência e protecção dos habitantes da região, no cultivo da terra e na criação de gado, na abertura de estradas e na construção de pontes que facilitassem a comunicação com a costa atlântica. O desenvolvimento de pequenas indústrias, para além da construção do Mosteiro, foram também tarefas prioritárias.

Para além das terras, a Ordem de Cister era frequentemente contemplada com importantes doações em dinheiro e jóias, como verificamos nos testamentos de D. Afonso Henriques, D. Afonso III, D. Dinis e D. Pedro I.

Assim, nos finais do século XIII estes Coutos abrangiam toda a região que vai de S. Pedro de Moel à Lourinhã e, para o interior, até à Serra dos Candeeiros e Rio Maior, ocupando a totalidade dos seus domínios, no nosso país, uma extensão superior a 60 mil hectares.

Marco limites coutos de cister.jpg

Os Coutos de Alcobaça ocupavam então as vilas de Alcobaça, Alfeizerão, Aljubarrota, Alvorninha, Cela, Évora de Alcobaça, Maiorga, Paredes, Pederneira, Salir de Matos, Santa Catarina, São Martinho do Porto e Turquel, sendo quatro destas vilas portos de mar, nomeadamente, Salir, Pederneira, Cós e Alfeizerão.

No século XIV, as terras de Alcobaça eram as que se encontravam mais povoadas e com um maior desenvolvimento económico. O período que decorre até ao reinado de D. João I foi o mais rico e mais feliz de toda a sua história, apesar da violenta crise económica social e política que se instalou no nosso país a partir de meados do século XIV. Esta crise, em contraste com a crescente riqueza e poderio dos Coutos, leva à alteração do comportamento moral e social dos monges, cada vez mais afastados dos antigos princípios de pureza, trabalho e humildade. Tal atitude contribuiu para que se tornassem impopulares e sobretudo incómodos, sob o ponto de vista da administração real.

Em 1495, aproveitando a crescente fraqueza do Mosteiro de Alcobaça – os monges deixaram de cultivar as terras, ficando estas ao cuidado dos colonos e, para fazerem face às despesas exorbitantes da vida luxuosa que levavam, desbarataram as riquezas do mosteiro – e a nova política tendente à centralização do poder real, as vilas dos Coutos começaram a reivindicar a sua autonomia municipal. Assim, em 1514 sete vilas recebem Foral Real do rei D. Manuel I, nomeadamente Alfeizerão, Alvorninha, Évora de Alcobaça, Cós, Pederneira, Maiorga e Cela, ficando os domínios da Ordem de Cister reduzidos praticamente à “cerca” do Mosteiro.

Mais tarde, para acabar com os abusos dos abades perpétuos, o rei D. João III passou o governo do Mosteiro para os chamados Abades Comendatários (estes eram nomeados pelo rei, e portanto estranhos à Ordem). Apesar desta alteração, a maioria destes Abades desejava apenas enriquecer às custas do Mosteiro, não revelando qualquer outro interesse pelo futuro da Ordem de Cister em Portugal. Por isso, retomaram a política de extorsão e violência, o que levou muitos colonos a abandonar a região, deixando os próprios frades reduzidos à miséria. Os nobres e as outras Ordens Religiosas vão, a pouco e pouco, conseguindo do Rei a doação de muitas terras pertencentes aos Coutos, doação esta originada num descontentamento geral.

(continua)

Publicado em Inominável nº 16

por Eliseu Pimenta

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