Seg | 27.08.18 Diversidades | Do pensamento elástico aos estáticos extremos de Portugal #1 Numa recente incursão pela Rota da Terra Fria Transmontana, tive o privilégio de participar numa actividade nocturna de observação de planetas, estrelas e algumas constelações. Nesta acção promovida pelo PINTA – Parque Ibérico de Natureza e Aventura de Vimioso, surpreendi positivamente alguém (presumo que uma dinamizadora) por ter acrescentado à sua afirmação de que “seria possível olhar e observar o universo” a palavra “multiverso”.Multiverso é a palavra utilizada para referir o conjunto de hipotéticos universos que se pegam e de forma contínua e interminável preenchem o espaço contíguo ao “nosso” universo. Stephen Hawking, físico teórico recentemente falecido, defendia e aprofundava avidamente a ideia/conceito de que existem muitos outros universos para além do nosso, constituídos por galáxias, estrelas e planetas totalmente desconhecidos e inimagináveis. Assumo que acredito no carácter infinito do espaço e a palavra “multiverso”, para além de me soar bem, faz-me sorrir, apesar de normalmente me sentir associado a um lunático ou alienígena tresmalhado: o mundo também avança e aprende com o erro se alguns pensamentos forem elásticos e, no limite, rebentarem.Potencial extraterrestre mas agora em terra firme, demando: o que terão em comum o Cabo da Roca, Penha das Torres, Cevide e o Cabo de Santa Maria? Dito de outra forma, qual o elemento diferenciador existente no Parque Natural de Sintra-Cascais, no Parque Natural do Douro Internacional, na Zona de Protecção Especial do Rio Minho e Sítio da Rede Natura 2000 e na Área Protegida da Ria Formosa, que assemelha estas tão diferentes e distantes zonas protegidas?Proponho-vos, pois, uma viagem rápida, finita e geograficamente comprovada, percorrendo os pontos extremos do território continental português. Apesar de alguns serem ilustres desconhecidos, a descoberta e o conhecimento irão espicaçar a curiosidade e aguçar a mente, dado estes lugares-extremos da rosa-dos-ventos possuírem características únicas que os diferenciam e notabilizam. Extremo Norte“Aqui começa Portugal... É aqui que está colocado o marco de fronteira nº 1… É neste local que se atinge o ponto mais a norte do país”.Estas são os genuínos chavões associadas ao lugar mais setentrional de Portugal: Cevide.No distrito de Viana do Castelo, no concelho de Melgaço e na freguesia de Cristoval, existe um lugar com 7 habitantes, com uma riquíssima história ligada ao contrabando raiano, triangulado pelos rios Minho e Trancoso e com as coordenadas geográficas oficiais de latitude 42° 9’ 14.44’’ N e longitude 8° 11’ 53.55’’ W / 42.154011, -8.198208. Daqui para cima, só mesmo território espanhol.Cevide é um lugar pacato, tranquilo, que nos preenche e transporta para um estado de alma puro. Sou suspeito por adorar este lugar e por o sentir intensamente. Na realidade, para mim Cevide é por si só um poema pois não tendo nada… oferece-me tudo.A norte o rio Minho, já internacional, beija as margens deixando pequenas enseadas, afloradas de areias convidando sem qualquer esforço a serem pisadas e a usufruir do momento. O barulho das contínuas descargas a montante na barragem espanhola de A Frieira não só não incomoda como dinamiza o sossego do local. A este, o estreito rio Trancoso, porta de contrabando até meados da década de 80 do passado século, incendeia ainda mais o local com o seu pequeno caudal que, saltando de pedra em pedra, lagoa de forma cristalina e pura grande parte do leito. Antigos moinhos de água, já resgatados pela natureza, recordam-nos que o Homem, em tempos, lhes dava importância e fazia deles um instrumento de trabalho. Pequenos socalcos embasados por pedras de dimensões reduzidas permitiam tarefas agrícolas ainda hoje visíveis nalguns talhões que vencem o declive. Noutros, porém, resistem os ferrugentos arames das latadas e respectivos prumos toscos de granito, esteiros de uma policultura de sobrevivência. A meio da vertente localiza-se o reduzido casario, recortado por algumas canejas que nos conduzem aos rios. No largo, junto à grande casa, uma singela sinalética indica-nos o caminho para o Marco Nº 1 (ao longo de toda a fronteira com Espanha encontram-se 1048 marcos fronteiriços, o último na ponte sobre o Guadiana em Vila Real de Santo António). Uma capela particular, dedicada a Santo António, fortalece o apelo ao agradecimento pela actual existência deste local; em tempos idos, conjugada com as “alminhas”, eram pontos obrigatórios de paragem e de preces suplicando ajuda nas “fugas a monte”. E porque uma ponte é mesmo uma passagem, Cevide tem duas; uma construída pela autarquia espanhola, junto à antiga casa da Guarda Fiscal e Posto de Controlo; a outra, suspensa, resulta da acção de “Piti” com a ajuda de alguns amigos do concelho de Padrenda (Galiza). Esta última, a escassos metros da foz do Trancoso, adquire por direito próprio o título de primeira ponte internacional de Portugal, apesar dos seus reduzidos cinco metros de comprimento.Ainda sem confirmação, pensa-se que uma Jeira Romana atravessava o povoado, e a existência de um castro na parte alta de Cevide remete-nos para uma ocupação ancestral. Cevide, pelo seu simplismo natural, merece ser visitado. Pese o facto de a autarquia de Melgaço ainda não ter dado a devida atenção, criando um caminho com acessibilidade universal ao marco nº 1 e potenciando a sua divulgação, prevê ou equaciona a ligação ao mesmo através de um trilho/passadiço/ecovia que se irá unir ao trilho linear do Minho já existente a oeste de Melgaço, junto à área desportiva.Nas redes sociais existe um grupo que agrega os “Amigos de Cevide”. Sem cariz político, pugna pelo reconhecimento, melhorias e divulgação do local, pois muitas vezes a divulgação é a melhor forma de protecção.O extremo norte do território nacional é um beco sem saída…. Mas um beco que encanta e espalha charme a cada esquina!(continua)__________________________________________________________________Publicado em Inominável nº 15por Eliseu PimentaCategorias:artigosdiversidades link comentar favorito