Correio (pouco) Sentimental
Bom dia ‘migas!
Tenho um stress com o meu parceiro. Nós moramos juntos há imenso tempo – dois meses inteiros, acho que até já mais um ou dois dias. Achámos que estava na hora de dar o passo depois de duas semanas intensas de namoro. Sei que assim não parece muito, mas não me julguem, ‘tá? Que eu já não vou para nova, as minhas amigas estão todas casadas e a ter filhos e eu já estou a perder a competição há demasiado tempo.
Mas atenção! Gosto mesmo dele! Somos supé (!) compatíveis. Gostamos de sair à noite para beber um copo (ou muitooos), conversamos imenso, usamos Snapchat que nem doidos (‘tou sempre com uma coroazinha de flores na cabeça e olhos muita giros). Só há mini-micro-problema.
Ele é pouco aventureiro. Não gosta de carinhos públicos, não gosta de sair da rotina, percebem? A maior loucura que consegui levá-lo a fazer foi um dia... eu não gosto de dizer sexo por isso vou dizer “ler Saramago”, tá bem?
Então, dizia eu: ele só quer ler Saramago na cama e àquela hora certa que é ali antes de deitar. Ora eu gosto de agitar um pouco as coisas. A maior loucura que consegui foi levá-lo a ler Saramago no sofá! Mas gostava que pudéssemos ler Saramago no tapete, no carro, na praia, na sala da casa dos pais dele. Fazer como tantas pessoas fazem e, sei lá, ler Saramago num banquinho de um jardim público, ‘tão a ver?
Isto não quer dizer que ele não leia muito bem, que lê! Só que só lê no mesmo sítio à mesma hora, como o padre a dar a missa aos Domingos de manhã – e quem me dera que fosse de manhã! E agora com o frio a instalar-se eu queria muito, muito cumprir com ele uma fantasia antiga minha que era ler Saramago à lareira.
Ele fica logo furioso só com a sugestão, sabem? Que não temos lareira, que não é preciso ler fora de casa, que faz fagulhas, que depois aquece muito, que uma vez em pequeno queimou a gadelha por estar sem cuidado junto à lareira, que a borracha do... livro... derrete e eu ainda engravido, que é alérgico a carvão, enfim. Um dia destes, para tentar recriar o ambiente acendi uma vela e ele perguntou logo se eu estava a tentar incendiar a casa...
Cara ‘miga.
É um facto que a geração atual tem uma reação menos boa com Saramago. Dizem que escreve sem vírgulas, que é maçador, chato e isso, assumimos nós, poderá dar azo a confusões por parte do seu namorado.
Acreditamos, assim, que a solução está em apostar numa literatura mais da moda: que tal ler Harry Potter, as cinquenta sombras de grey ou crepúsculo?
Explicamos:
Se ler Harry Potter poderá usar a varinha e, consequentemente, fazer uma boa lareira. É. Acredite: diz quem leu que através da varinha é possível - com a devida fórmula mágica - criar fogo. E mesmo que não seja uma lareira muito atiçada, sempre é melhor uma fogueirita pequenita que nada…
Já se ler as cinquenta sombras de grey poderá obrigá-lo a usar o chicote no chão da sala, com a fogueira em fundo, para fazerem ambos… meditação. E mesmo que a cara amiga não sinta o fogo muito aceso, com tanto instrumento meditativo poderá, pelo menos, deleitar-se com a imagem do seu mais do que tudo usando cabedal.
Por fim, com o crepúsculo as lareiras são menos frequentes uma vez que, segundo os entendidos, os vampiros não têm frio. Mas a cara amiga aqui apimenta as coisas e dá uso à sua amizade com os lobos. É! Fala com um amigo quentinho, convence o seu namorado a ir acampar num dia de frio e aquecem-se os três numa tenda, com a lareira cá fora para se aquecerem.
Que lhe parece?
Ler Saramago tem as suas virtudes e, acreditamos nós, no convento de Mafra teria necessariamente de acender as lareiras. Acontece, no entanto, que os fantasmas de D. João V a tentar emprenhar a D. Maria Josefa podem causar algum trauma no seu BF.
Use uma das nossas dicas e depois escreva-nos, contando como correu.
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Publicado em Inominável nº 5
pelas nossas consultoras Maria das Palavras autora dos blogs Maria das Palavras e Consultório de Prendas. e M.J. autora do blog E agora? Sei lá!
Ambas participam no blog Aprender uma coisa nova por dia