Cá por casa... O Vício
Tenho vindo a tentar evidenciar que os videojogos não são assim tão diferentes de outras formas de entretenimento, lazer ou mesmo prazer. Contudo, e tenho noção de que estou a começar este texto algo ominosamente, os videojogos têm um lado menos agradável que ataca principalmente as mentes mais inexperientes, em particular os jovens.
A verdade é que os videojogos são viciantes.
Perigosamente, mesmo.
Pessoalmente não quero falar muito de estatísticas nem de razões médicas para este facto. Não me interessa que químicos é que os videojogos libertam no nosso corpo, nem quero realmente saber das mil e uma razões pessoais, sociais, culturais pelas quais as pessoas se deixam sugar pelos ecrãs para um transe digital. Eu gostaria era de colocar um aviso, como eu gostaria de ter sido avisado quando era mais novo. Se calhar até fui, mas talvez estivesse demasiado distraído pelo meu passatempo predilecto para prestar atenção.
Eu jogo videojogos desde os três anos, como tantos outros. No entanto, nunca soube controlar adequadamente o tempo que o passava a fazer. Na altura, se eu quisesse jogar um bocadinho teria de esperar que o computador ficasse vago, porque os computadores contemporâneos não existiam no nosso bolso, mas sim numa secretária, e ocupavam mais espaço. Eram também mais caros. Mesmo quando recebi uma consola, nem sempre a televisão estava vaga. Nada disto era particularmente cruel ou injusto. Era na verdade equilibrado, pois como criança e como pré-adolescente tinha de arranjar outras coisas que fazer enquanto não pudesse retomar o meu vício crescente.
A tecnologia evoluiu e outros computadores começaram a aparecer em casa. De repente, a disponibilidade de um dispositivo onde pudesse jogar aumentou enormemente, e só lhe era impedido o acesso se tivesse particularmente maus resultados num qualquer período escolar.
E então joguei, e joguei. Desperdicei uma adolescência inteira a matar maus da fita e monstros grotescos, a flanquear tacticamente os exércitos dos meus inimigos, a construir cidades de todas as maneiras e feitios, a simular vidas que não eram a minha. Fiz negócios fantásticos para comprar objectos poderosos, explorei templos escondidos e grutas perdidas, juntei-me a estranhos da internet para destruir demónios invasores gigantes, ordenei a construção de pirâmides e expandi as fronteiras do império romano às orlas do mundo conhecido. Vivi isto tudo, mas esqueci-me de viver o resto. Fui-me esquecendo de amigos, da escola, da família e das aventuras normais da adolescência e do início da vida adulta.
Podereis pensar que esta dissertação é uma espécie de desabafo. Não o é. Não agora, pelo menos. Uso o meu exemplo apenas como uma contextualização para que possais compreender a moral deste texto.
Os videojogos não são maléficos, nem no meu caso. Não estou demasiadamente arrependido por ter desperdiçado tanto tempo em entretenimento aparentemente fútil. A verdade é que eu não estava consciente do problema na altura e só agora em retrospectiva é que posso dizer que o meu vício me prejudicou em alguns aspectos da minha vida. Ora, se eu não estava a sabotar-me conscientemente, não sinto que seria justo para comigo próprio culpar-me do sucedido. Nos dias de hoje é que me sinto culpado quando às vezes estou mais do que umas horas a jogar de seguida.
Este não é algum tipo de protesto anti videojogos. Repito, os videojogos não são maléficos, nós é que somos. Nunca ninguém culpou um cigarro pelo vício que ele implica. A mensagem que quero transmitir é que tudo tem um lugar na nossa vida, mas há que haver moderação. Mesmo que tenhamos uma paixão imensa em ganhar a Liga dos Campeões com o Arouca, ou em liderar a Escócia nos seus esforços de colonizar as Caraíbas, ou em destruir o Olimpo e aniquilar os personagens da mitologia grega, nada nos impede de regularmente nos levantarmos para esticar as pernas e talvez ao invés disto tudo ir sim jogar uma partida de futebol a sério com os nossos amigos, ou então organizar uma viagem às terras dos pictos, ou então pegar na marreta e destruir o carro do gajo que nos infernizou a vida no secundário.
Notai, por favor, que o objectivo deste artigo não é tanto o de sensibilizar os que já são viciados em videojogos. O problema fundamental que eu gostaria de relevar são os vossos filhos, sobrinhos, afilhados, primos e eteceteras, que sendo provavelmente ainda muito jovens não compreendem as repercussões que este vício pode ter na vida futura deles.
Se suspeitardes que conheceis alguém numa situação de dependência de videojogos, chamai essa pessoa e mostrai-lhe este texto.
Tu. Sim, tu. Podes jogar, estás à vontade. Mas não jogues demasiado. Os jogos são importantes, sim. Mas há outras coisas. Arranja um passatempo, vai lá fora, conhece umas miúdas e tal. E joga! Claro, joga, mas não vivas só a vida que alguém criou para ti num ecrã à tua frente.
Não te esqueças de que, ao contrário do que acontece nos videojogos, tu só tens uma vida.
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Publicado em Inominável nº 13
por Rei Bacalhau, autor do blog O Bom, o Mau e o Feio