Animais & Mais | Reforço positivo versus TV Show – A queda de um encanto (2)
Mas vou tornar isto mais prático, só para perceberem melhor do que falo.
Imaginem um cão que fica possuído sempre que se liga o aspirador! Ladra e ataca-o como se aquilo fosse o Adamastor surgido do nada para lhe atazanar o sossego canino.
O que faria o Cesar Millan?
Tipicamente, nos episódios, vemo-lo a conversar com os donos para compreender a situação. E nada de pesquisar sobre a saúde do cão… Mas adiante, vamos supor que o cão até é saudável, excetuando a “tara” por aparelhos que sugam e fazem barulho. Portanto os donos queixam-se do seu patudo e dizem “ Ele ataca o aspirador como se fosse o fim do mundo! Nem parece o mesmo!”
E que vai o “encantador” fazer? Pega no aspirador, liga-o, e fica literalmente à espera que a “fera” ataque. Quando isso acontece (e note-se não é nenhuma surpresa, foi isso que os donos disseram que ia acontecer) o cão é castigado, confrontado, e ali Cesar mostra, na sua ideia arcaica, “quem é que manda ali”! No fundo é mais ou menos como alguém decidir nas minhas costas que eu devo fazer uma dieta, e colocam, entretanto, um belo éclair à minha frente; mas quando eu for pegar nele, levo um tabefe por tentar comê-lo. Ou então, um belo de um sermão que me coloca de cabeça baixa, a chorar e a pensar que sou a pior pessoa do mundo e arredores!!!
É lógico, sim senhor, e verdadeiro, que o que se pretende dizer ao cão é que não deve atacar o aspirador sempre que precisamos de limpar! E quem tem cão em casa necessita muito deste eletrodoméstico. Mas será que para lhe dizer (leia-se castigar) o que não deve fazer, o cão tem de primeiro que ter o comportamento errado? Parece-vos justo um método que incita o cão a falhar redondamente, já que é mais que certo que o patudo vai ter o comportamento que sempre teve até ali?
Existe uma outra abordagem! E é completamente oposta a esta e com resultados muito melhores para a mente do cão, prevenindo até problemas futuros.
Em vez de criarmos um contexto em que sabemos que o cão vai fazer errado (neste caso, atacar o aspirador), criamos um contexto em que o patudo tenha tendência para fazer o certo, promovendo, desta forma, comportamentos alternativos ao que queremos eliminar!
Confusos? Eu já desconfundo.
Vamos lá voltar ao aspirador. O que é que existe no mundo que pode fazer com que um cão não queira atacar um aspirador? COMIDA!!! Os tipos são uns gulosos! E eu tenho o 1º lugar desse pódio da gulodice em casa!
Primeiro, o que vamos fazer, antes de colocar o aspirador a andar, é criar um contexto em que o cão só vê o aspirador, e até pode estar noutra divisão, mas nós estamos a atirar-lhe bocados de comida! E daqueles bocados irrecusáveis (género salsicha, fiambre, ou outro petisco super saboroso)
E agora alguém diz: “ Mas o cão só não está a ficar histérico com o aspirador porque há comida no chão!”. Certo. Só que neste caso a comida não é propriamente uma recompensa, e é por isso que pensar só em recompensa versus castigo é insuficiente.
O objetivo aqui é que, à medida que o cão estiver várias vezes num cenário que o estimula a atacar o aspirador, ele se aperceba que ficou igualmente bem sem ter a necessidade de atacar! E que aprenda que não é necessário que ele ataque para ficar satisfeito.
Obviamente, deve ser avaliado o que leva o cão a atacar. E por vezes é uma coisa tão básica como isto: da primeira vez que os companheiros humanos aspiraram, era ele uma bolinha de pêlo pequerrucha, resolveu atirar-se ao aspirador em vez de fugir, resolveu “pegar o touro de frente”, e provavelmente todas as pessoas acharam piada ao ver aquele peludo pequenito a armar-se em galo de quinta! Mas isso pode ter sido o início e o potenciador deste problema todo! E nem tudo é assim simples, por isso precisamos da ajuda de quem saiba, não de quem prometa encantos e magias! Com as nossas energias passadas pela trela e sei lá que mais!
As técnicas de Cesar Millan são quase exclusivamente baseadas em duas práticas:
- Inundação
- Punição positiva
Na inundação, um animal é exposto a um medo (ou agressão) evocando estímulos e impedido de abandonar a situação até parar de reagir. Para dar um exemplo humano: a aracnofobia (o meu filho sofre disto!) seria tratada fechando/bloqueando uma pessoa num armário, libertando centenas de aranhas naquele armário e mantendo a porta fechada até que a pessoa pare de reagir! A pessoa pode ser curada com isso, lá isso pode, mas também pode ser severamente perturbada e teria passado por uma quantidade excessiva de stresse. As inundações, portanto, sempre foram consideradas um método de tratamento arriscado e cruel.
A punição positiva, como já expliquei ao longo do texto (mas admito que é um conceito difícil de entender, especialmente porque parece ser uma contradição) nada mais é do que a aplicação de um estímulo desagradável (género borrifo de água, dar esticões na trela, “toques” com o calcanhar no flanco do cão e por aí fora) sempre que surge um comportamento que se destina a ser eliminado ou reduzido. E se tal acontecer o tal comportamento indesejável desaparecer, passamos a ter um comportamento positivo (porque é o comportamento que queríamos). Quanto a mim, e depois de ler um pouco sobre o tema, acho preferível chamar-lhe punição por aplicação, e não punição positiva.
(continua)
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Publicado em Inominável nº 15
por Golimix autora do blog Eu tento, mas meu tento não consegue