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Revista Inominável

A revista para lá da blogosfera!

Qua | 14.03.18

Anexo | O que eu leio é comigo

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Já aqui escrevi sobre os Direitos Inalienáveis do Leitor e, por ser um tema para mim tão irresistível, não posso deixar de regressar a ele. Não me canso de recomendar o “pequeno” livro de Daniel Pennac, “Como um Romance”[1], bíblia de qualquer leitor que se preze.

 

Quando nos iniciamos na leitura, e seguindo a ideia de Pennac, é mais fácil que seja um livro mau a chegar até nós. Quem não se lembra das primeiras coisas que leu? Aposto que muitas das vossas primeiras leituras vos fazem hoje corar de vergonha, não? Mas na época eram livros extraordinários que queriam recomendar a toda a gente, certo? Comigo foi assim. Li muitos (demasiados) romances “industriais”, criados para satisfazer a necessidade das primeiras viagens de leitura. Não resisto a citar o autor: “…digamos que há aquilo a que chamo “literatura industrial”, que se contenta em reproduzir até ao infinito os mesmos tipos de descrições, debita estereótipos em série, faz comércio de bons sentimentos e de sensações fortes, utiliza todos os pretextos oferecidos pela actualidade para parir uma ficção de circunstância, faz “estudos de mercado” para vender, segundo a “conjuntura”, um tipo de produto que é suposto inflamar certo tipo de leitores. Estes, são os maus romances.” (Como um Romance, Asa, página 154).

 

Devo acrescentar que há muitos leitores que nunca chegam a sair deste estágio a que podemos chamar inicial. E qual é o mal? Nenhum. Ou não viesse eu reforçar um dos meus Direitos preferidos: O Direito de ler não importa o quê.

 

É normal que, com o tempo, o leitor perceba que os chamados “maus romances” são muito (demasiado) parecidos e, na maior parte dos casos, há que dar o próximo passo. Quem se apaixona pela leitura, e esta paixão pode surgir com qualquer tipo de livro, sentirá necessidade de arte, de criação, de originalidade, de dar um salto qualitativo. É assim quando a leitura deixa de ser um passatempo e cada livro escolhido nos aperta o coração por todos os outros que ficam em espera na estante. São os primeiros sinais de uma dependência que tende a tornar-se crónica e tem como efeitos secundários a agilidade de pensamento, a melhoria da qualidade da escrita, a necessidade constante de raciocinar, questionar e colocar em causa. Querer ler mais torna-se um desejo galopante e é incrível como novos títulos e autores vêm ter connosco, provocando palpitações e ansiedades. Crescem as listas de desejos e reduz o espaço livre. Compram-se novas estantes e em cada divisão da casa nasce uma zona de biblioteca.

 

Alguns leitores desenvolvem uma grande resistência a dar livros, mesmo significando isso a grande vantagem de se livrarem dos exemplares de que não gostam (e que poderão agradar a outros), para conseguirem espaço para os preferidos. Estes acumuladores, se continuarem a comprar compulsivamente, viverão um dia submersos em livros. E qual é o problema? Nenhum! Ler ensina-nos a ser livres, apura as nossas escolhas e promove a independência.

 

Leiam o que quiserem quando quiserem, mas leiam!

 

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(foto: Gil Cardoso)

 

[1] Como um Romance, de Daniel Pennac; Ed. Asa, Tradução de Francisco Paiva Boléo

 

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Publicado em Inominável nº 12

por  Márcia Balsas  autora do blog  Planeta Marcia