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Revista Inominável

A revista para lá da blogosfera!

Sex | 29.06.18

2D 3D | A Mensagem

Se tudo tiver corrido como deve ser, esta revista e este artigo terão sido disponibilizados ao mundo no dia simbólico de 1 de Junho. Se tal não tiver acontecido, recomendo que vão às definições do vosso computador/telemóvel e mudem o dia para 1 de Junho de 2018. Não é que tenha relevância ou efeito algum para a leitura deste texto, mas é-me conveniente para poder assumir que estareis a ler isto no Dia da Criança.

Contudo, contrário ao que o meu parágrafo inicial parece sugerir, não é para as crianças que quero falar hoje.

É para os pais. Sim, vós.

Quando aceitei escrever para a revista deduzi imediatamente qual seria o meu público-alvo expectável: homens e mulheres (a maioria) que lêem blogs porque os usam como um escape aos horríveis problemas domésticos, tais como ter de lidar com o cônjuge (ou a falta de um) e com a criançada acidental ou não lá de casa (mães solteiras só terão o segundo problema em princípio; já agora, estou disponível). Assumindo isto, tenho sempre tentado introduzir e explicitar vários assuntos sobre videojogos de uma maneira que fosse compreensível para qualquer leigo com um mínimo de sentido de humor.

Mas porquê? Porque é que haveria de me importar convosco? Porque é que me interessa que vós saibais um mínimo sobre um assunto aparentemente tão distante do vosso dia-a-dia? Bom, a verdade é que não é convosco que me preocupo (sem ofensa), mas sim com os vossos pequenotes, seja qual for o grau de parentesco.

Sendo um virgem assumido de quase 30 anos, apenas sou pai de tentativas falhadas, mas este facto não impede que parte daquele instinto intrínseco paternal que qualquer homem tem brote à superfície de vez em quando. O que eu vou dizer é algo horrivelmente óbvio, mas creio que deve ser reforçado ocasionalmente, não vá o pessoal esquecer-se (e já agora, fica bem da minha parte dizê-lo):

NÓS SOMOS RESPONSÁVEIS PELAS NOSSAS CRIANÇAS.

Desculpem, a tecla "shift" ficou presa. Enfim, da mesma forma que supostamente temos de vaciná-las, ou que supostamente temos de ensiná-las a atravessar a estrada, ou que supostamente temos de as afastar de música pimba, temos também, supostamente, de saber determinar se as formas de entretenimento que escolhemos para elas (ou que elas mesmo escolhem) são adequadas para as nossas crianças.

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Faço desde já notar que não vou em qualquer ponto deste texto tentar ser imparcial. Vou aplicar a minha moralidade, que adquiri através da minha cultura e vivências. Podereis aplicar as vossas à vontade. Se o meu caríssimo leitor for homem e ficar ofendido com este texto, peço que hoje, quando estiver a descarregar a sua frustração na sua família, bata apenas na sua mulher e que deixe a criança em paz. É Dia da Criança e tal. Uma abebiazinha, sim?

Pessoalmente, acho profundamente censurável que alguém fume ao pé dos próprios filhos. Acho chocante que os alimentem incorrectamente e que fiquem deficientemente nutridos (por falta ou por excesso). Acho estranhíssima a utilização de vernáculo grosseiro na presença deles. Este poderá parecer o discurso normal daquelas pessoas denominadas "flores de estufa", e não vos posso culpar que penseis isso, mas tendes de compreender que considero que numa sociedade como a portuguesa, com uma muito reduzida taxa de natalidade, cada criança e cada nascimento tornam-se individualmente mais importantes para o futuro.

No entanto, se calhar estou a exagerar. Se calhar estou a iludir-me com a falta de responsabilidade parental que estou a extrapolar a partir de alguns casos isolados menos bons. O ser humano tem tendência a fazer isso. Outrossim, reflicto que a grande maioria das pessoas que conheço não são totais incompetentes com a sua ninhada ao ponto de acidentalmente os colocarem no microondas. Não! Digo mesmo o contrário. O pessoal com quem me dou parecem-me ser bons pais.

Excepto numa coisa.c-section.png

Estava no outro dia a falar com um sujeito do qual tenho boa opinião. Ele tem duas filhas, ainda crianças. No meio da nossa discussão banal, ele disse-me uma afirmação muito curiosa: "... olha, por exemplo, as minhas filhas jogam no meu telemóvel um jogo em que fazem cesarianas...". Por esta altura a grande maioria dos meus leitores habituais já terá percebido que eu não sou efectivamente um bacalhau, portanto é confortavelmente que posso assumir que vós podereis imaginar as minhas feições e caretas humanas de incredulidade absoluta. Pedi imediatamente para que me mostrasse o tal videojogo, e de facto posso relatar que, apesar de o processo estar embelezado e simplificado, era realmente possível realizar uma cesariana à boneca no ecrã.

Outra anedota: um amigo meu tem um puto pequenito, com idade suficiente para navegar com eficácia em dispositivos móveis. Eu descobri recentemente que existem criadores de conteúdos para o Youtube (vulgo: "Youtubers") portugueses relacionados com videojogos. Quando falei deste facto ao meu amigo, ele reagiu sem surpresa e informou-me que o pequenito dele vê vídeos de pelo menos um deles. Ora eu vi alguns destes vídeos, de vários criadores, e não fiquei de modo algum impressionado com a gramática, ortografia e vocabulário deles.

Conseguis ver que estou lentamente a chegar ao busílis da questão. A verdade aparente é que parece que perdemos o controlo sobre o que é que as crianças andam a consumir nos dias de hoje, especialmente no que é relacionado com videojogos. Já não é só o canal Panda e as revistas para adultos escondidas pela casa que lhes interessam, como era antigamente. Agora há todo um conjunto de novas possibilidades tecnológicas onde eles se podem perder. Gostaria de esclarecer um detalhe: não é que eu ache que coisas deste tipo devessem ser proibidas ou reguladas. Aliás, se alguma coisa, eu acharia o contrário. Ponham o que quiserem na loja de aplicações dos telemóveis, por mim estão à vontade. Ponham o que quiserem no Youtube e tal.darkframe_videos_repreensiveis.png

O verdadeiro desafio é o de educar os pais. É o de lhes mostrar que há certos mundos que estão em constante desenvolvimento e mutação, e o dos videojogos é apenas mais um ao qual têm de estar atentos. É esse um dos meus objectivos com a coluna 2D3D, o de vos tentar manter a par de algumas coisas que vão acontecendo, de vos tentar impingir alguma cultura geral sobre videojogos, o de vos tentar dar alguma mínima perspectiva sobre o passado, presente e futuro deste passatempo e desta indústria.

Eis então, para ser redundante e para concluir, a minha mensagem para os pais deste país (se bem que acho que qualquer adulto poderá tirar algumas ilações):

Olá. Já tereis visto os vossos filhos pequeninos a querer mexer incessantemente no telemóvel. E vós dais o aparelho na esperança de terem uns míseros segundos ou mesmo minutos de silêncio infantil. Compreendo isso, mas sabei que o vosso infante poderá neste momento estar a ser introduzido a conceitos para os quais ele é demasiado novo para compreender. Poderá, porventura, até estar a jogar alguma coisa não adequada para a idade dele. Violenta de alguma forma, talvez. Poderá igualmente estar a aprender palavras e maneirismos misteriosos e anglizados. Compreendei que os vossos segundos de silêncio (merecidos, certamente) têm a consequência de uma utilização não supervisionada de um dispositivo perigoso como é um telemóvel com acesso à Internet. Gostaria de informar que esta é a melhor altura para ir ter com o vosso filho, pegar no telemóvel, desinstalar todos os videojogos moralmente questionáveis e ajudá-lo a escolher um videojogo de que ele goste e que não envolva assuntos adultos como cesarianas ou pagar impostos. Esta é uma mensagem apenas para aqueles que acham que devem ter um papel na educação dos próprios filhos. Se esse for o vosso caso, permitam-me reafirmar: é a hora!

Valete, Frates!

 (desculpai-me, mas com um título daqueles, não poderia ter deixado de fazer a referência óbvia…)

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Publicado em Inominável nº 14

por Rei Bacalhau, autor do blog O Bom, o Mau e o Feio